domingo, 23 de setembro de 2012

Só os amores eu guardei

Pra fugir do estereótipo: represa de Guarapiranga, zona sul da cidade

Uns anos atrás, escrevi um texto sobre São Paulo no meu antigo blog. Era um texto até bonito, apesar dos errinhos de português, e também bastante apaixonado. Era a visão de uma jovem mulher que encontrava em São Paulo seu lugar no mundo.

E era assim mesmo: todas as vezes que vinha para cá, como turista, sentia que estava voltando para casa. É que São Paulo me fascinava, eram muitas oportunidades que podia me oferecer, era outro mundo, era abismalmente diferente de Belém. E então, no dia 24 de janeiro de 2010, desembarquei de “mala e cuia” (como se diz em Belém) na Pauliceia Desvairada. Hoje, mais de dois anos e meio depois, me dedico a escrever sobre esse pedaço de terra que, entre todos os pedaços de terra do mundo, sempre me fascinou imensamente.

Estar aqui como moradora de verdade me fez conhecer outra cidade que não via nem nos cartões postais e nem nas vindas como turista – com tudo o que isso tem de bom e ruim. A vida decidiu muita coisa por mim quando me mudei. Como turista, escolheria um dos bairros clássicos – para turistas! – para viver, como Pinheiros, Vila Madalena ou Jardins. Mas assim a vida não quis e me mandou pra Vila Mariana, reduto de paraenses, onde é até possível ouvir “reeemo” ou papããão” em dias de jogos.

Isso mudou tudo em São Paulo. E quem aqui disse que não acredita em maktub? A vida decide muitas coisas pela gente, deve ser o tal destino, que, às vezes, vem dar as suas caras. Depois de seis meses na Vila Mariana, não quis mais sair de lá. O Ringo já era cliente cativo do pet, já conhecíamos as padarias, as ruas do entorno, os barzinhos trash e tudo mais. Quando acabou esse primeiro semestre, mudamos ainda mais para dentro da Vila Mariana e acabamos já na divisa com a Saúde.

Nesse pedacinho de mundo, conheci a cidade que os cartões postais não mostram. Fazer só o mestrado e não trabalhar por um tempo me possibilitou conhecer bem a rotina da região. O carro das frutas passava a primeira vez perto das 10h, o dos ovos entre 10h e 11h, às vezes o carro dos pães também aparecia, só que sempre no fim da tarde. Uma feira enoooorme tomava conta das ruas próximas às terças e chamava gente do bairro inteiro. Era um pedacinho do mercadão do lado de casa.

A gente se acostuma com uma São Paulo agressiva, com a tal selva de pedra. Convencionou-se dizer que, em “São Paulo, não existe amor”. Quando me mudei pra cá (sim, pra mim, paraense, o verbo mudar, assim como formar e casar, é reflexivo), conheci a São Paulo que lembra uma vila do interior. Por causa do tamanho da cidade, as pessoas se fecham muito mais em seus próprios mundinhos e, acredite, tão fácil quanto esbarrar com conhecidos em Belém é encontrar um vizinho de bairro no shopping.

Mas também conheci a outra São Paulo, também não mostrada nos cartões postais mas exaustivamente espetacularizada na televisão. Sim, eu já passei mais de três horas tentando voltar do trabalho num dia de chuva. Sim, eu acho o rodízio veicular um saco, porque ele me faz ter que pegar dois ônibus para chegar ao trabalho, sendo um deles biarticulado e, mesmo assim, megalotado.

E já me apertaram no metrô, já sofri seriamente com a neblina subindo a serra do litoral, já saí sem casaco aos 30 graus e, no meio do dia, só fazia 15. Já senti falta da fala e do riso fácil de qualquer paraense que a gente conhece por aí. Sim, as pessoas aqui são mais polidas e fechadas e demoram para confiar em você e te colocar dentro de casa – beeeem diferente de Belém, não?!

Tenho orgulho de dizer que não tenho mais a visão deslumbrada que tinha daqui. Existem coisas muito irritantes, mas também existem coisas muito belas. São Paulo ainda me fascina, suas luzes ainda ofuscam a minha vista. Acho que sou mesmo mais uma presa dessa cidade, que, pouco a pouco, me faz virar mais gente. Propus-me a viver o seu ritmo – que, quero deixar claro, tem só um pouco a ver com a visão clássica de metrópole corrida que todo mundo tem – e, então, fui dominada.

Quem disse que não existe amor em São Paulo, é porque não tem dentro de si um nobre sentimento que nos faz ver além do que se vê, que nos dá esta pitada a mais de sensibilidade: o próprio amor.